A um canto do mar, os peixes vivos contemplavam um cadáver ainda fresco. Haviam assassinado o siri-patola. O inspetor de polícia, comandante peixe-boi examinou o corpo e concluiu logo que fora morte por estrangulamento, mas ficou na dele. Não contou nem para o seu ajudante-de-ordens, o lerdo peixe cachimbo.
Reuniu o povaréu lá das profundezas e começou o interrogatório para descobrir o assassino do infeliz patola. O burburinho era geral no recinto. Cada um tinha uma hipótese provável para o acontecido. Havia gente pensando em latrocínio (o patola era um próspero negociante de secos e molhados); outros, que era vingança, porque ele vendera feijão bichado na época da crise; houve quem dissesse que era crime passional: a sirigaita da mulher dele andara de caso com o guaiamu e o camarão. Alguém lembrou que poderia ser alguma transa política: patola deixara de andar de costas (como todo siri) e passara a andar de banda (pendendo claramente para a direita). O inspetor seguia seu interrogatório e ia separando os suspeitos para um canto. No final, ficaram a raia, o tubarão, o polvo, o peixe-galo, o guaiamu e o camarão. Vendo o cerco se apertar, os remanescentes começaram a se entreolhar com ares de suspeita. O peixe-galo foi quem começou:
- É, esse mar tá ficando perigoso à beça e a maré não tá para peixe. Acho que o guaiamu devia logo confessar o crime, porque estou doido para voar para outros mares.
- Pobre de mim - choramingou a fina raia. - Fico lá embaixo na areia e não sei de nada. Ademais, patola era meu compadre. Agora, o camarão... sei não!
- Para mim - sentenciou o polvo -, o camarão e o guaiamu eram os únicos interessados na morte do patola.
- Pera aí - disse o camarão botando as suas barbas de molho. - Eu posso provar que passei os últimos cinco dias fora e só cheguei na hora do ocorrido.
- Comigo também - defendeu-se o guaiamu. - O caso com a mulher aí do defunto é intriga dos invejosos. Além do mais, até agora ninguém pensou no polvo. Ele é cheio de tentáculos e teria muito mais facilidade para estrangular o pobre coitado.
- Olha aí - foi vociferando o tubarão. - Isso foi uma covardia muito grande e o culpado tem que aparecer e pagar pelo que fez.
- Silêncio! - ordenou o inspetor. - Já sei quem é o assassino. Agora, se ninguém pescou o culpado, que trate de acompanhar o relato do acontecimento desde o início, porque ele está aí mesmo.